Como Consultora de Estilo, parte do meu trabalho é caminhar pelos shopping centers de São Paulo, passando por quase todas as lojas a cada semana mais ou menos. Mas ultimamente, cada vez que vejo as vitrines e interior das lojas, abarrotadas de roupas, que provavelmente só sairão dali de volta para as fábricas, pontas de estoque ou até mesmo descartadas em um lixão, aflige muito.
Um excesso de itens, provocam uma sensação de que isso não faz mais tanto sentido. Excessos por todos os lados, de quem vende e de quem compra e que tem me incomodado um bocado. Junto com um pressentimento de que o mercado de moda vai mudar drasticamente e que muitas das marcas que vejo ali, provavelmente não saberão se reinventar e deixarão de existir. Na verdade, já está mudando, mas para onde?
Um dos possíveis caminhos é o consumo de peças vintage, que seria a salvação e futuro do nosso estilo de consumo mais consciente, pelo reviver de peças já existentes. Tendência que vemos por aí e será sim um dos pilares da transformação. Mas na minha opinião, o jogo muda mesmo com outro movimento.
Em tempos de economia compartilhada em vários segmentos, assistimos a uma forte transformação da mobilidade urbana com Uber, Cabify, Yellow, 99, entregas com a Loggi, hospedagem com o Airbnb e musica com o Spotify. Não é uma questão de “se” mas uma questão de quando esse comportamento chegará à moda.
A MENTALIDADADE MUDOU
Na minha opinião o consumo de peças vintage é muito mais saudável do que comprar peças novinhas, afinal elas já existem e sua compra gera pouco ou nenhum impacto ambiental. Compras de produtos vintage tem previsão de crescimento em 100% em até 10 anos, de acordo com a pesquisa realizada pela Thredup. A mudança da escolha do varejo tradicional para o de reuso é maravilhosa, mas excessos também podem ser prejudiciais. Então não adianta apenas mudar o foco da compra. O que precisa mudar é a nossa mentalidade, nossos hábitos. E eles vem mudando.
O sistema de compartilhamento que surgiu e ficou mais conhecido aqui no Brasil principalmente pelos aplicativos de mobilidade urbana, agora ganha mais força, abrangendo novas áreas, com uma preocupação que não é nova, mas só cresce e está no foco agora. O aumento da preocupação com o impacto ambiental dos nossos hábitos de consumo vem alavancando no mundo importantes mudanças de comportamento pelo mundo. Ter acesso em vez de possuir, é a maior revolução que viveremos. Uma quebra de paradigma de consumo sem igual.
Baseado no princípio do “reduza, re-use, recicle, repare e redistribua”, a economia compartilhada é um movimento que não tem mais volta. É uma nova época onde estamos vivendo a era do acesso e não da posse. É uma forma muito mais inteligente e sustentável do que a compra de um item, pois uma mesma peça atende várias pessoas, repetidamente.
A lógica é pegar emprestado, pagando por isso ou não, pelo uso do bem ou serviço, não precisando desembolsar uma quantia maior de dinheiro por algo que você vai usar poucas vezes ou por um determinado período de tempo. E no caso de roupas, o estigma de usar algo já usado por outra pessoa, está sendo substituído pelo orgulho de ser inteligente e sustentável.
Um caso interessante que vi em minha última viagem à Copenhagen, na Dinamarca, para cobrir a Copenhagen Fashion Week, foi da marca de moda feminina By Malene Birger. Logo após a exibição de seu desfile, todas as peças da passarela foram colocadas em sua loja flag ship e disponibilizadas para aluguel, mostrando que as marcas próprias também estão abraçando este formato de uso temporário.
Corta para o Instagram. (Rede social baseada em imagens e que catapultou a ideia de look do dia) Todo dia instagramers debutam peças diferentes, em uma sequencia de imagens que faz parecer que possuem um closet infinito. Se dar scroll pelo seu feed fosse como passar pelas páginas da revista Vogue, estaríamos sendo impactadas por aproximadamente duas a três edições diárias da revista por dia. Como seria possível suprir esta demanda e estímulo se não fosse aumentando compras? Até recentemente comprar seria a única saída dos ávidos por novidades e seguidores de tendências. Mas a verdade é que para a grande maioria das influenciadoras, além da grande variedade de itens próprios que elas possuem, seja por compras ou por terem sido presenteadas por uma marca, elas também se beneficiam de um guarda-roupas compartilhado. Como? Produção de moda das marcas e suas assessorias.
A maioria das marcas contam com uma assessoria de imprensa que tem peças piloto de toda a coleção, que fica à disposição para empréstimos às revistas de moda em seus editoriais e para dressing. Categoria designada para vestir celebridades, influenciadoras e amigas das marcas. Ou seja, é um formato validado. Eu mesma usufruo deste benefício e afirmo que funciona, pois atende muito bem a necessidade de variação de guarda roupas de forma muito inteligente.
Nem toda tendência da moda permanecerá pra sempre no guarda roupas e já não faz mais sentido investir no look do momento a cada temporada e coleção. Porém, muito diferente é a compra de uma peça chave e de qualidade, que seja atemporal, que ela permanecerá em uso por muitas temporadas, tornando justificável o investimento.
“O consumo por aluguel e de bens usados aumentará à medida que os consumidores atualizam regularmente as mídias sociais e pelas atitudes dos consumidores em relação à mudança de propriedade e sustentabilidade. ” – Pesquisa da Shoptalk x Robin Report sobre “75 maneiras de o varejo mudar na próxima década”
OPORTUNIDADE DE MERCADO
Uma solução para ambos os casos, sustentabilidade e variedade do seu guarda roupas, está no aluguel de roupas. O nova iorquino Rent the Runway foi precursor neste modelo de negócio. Fundado em 2009, conta com um sistema por assinatura que permite ao usuário alugar até quatro itens por vez e tem o custo de U$149.00 por mês (por volta de 600 reais). Sabe aquela festa bafo que você não tem roupa pra ir? Pois é. Que tal trocar uma compra de um vestido Valentino de R$ 14.000,00, por um aluguel de R$ 200,00? Interessante não é? Aqui no Brasil temos players que ganham espaço, como o Clorent e BoBags, que funcionam no modelo de aluguel por assinatura ou por peça, só para citar algumas.
“A moda compartilhada pegou porque tem um viés de sustentabilidade importantíssimo para a sociedade moderna — e os mais novos estão ligados no fim do desperdício”, diz Bruna Ortega, especialista em beleza e moda na WGSN, empresa de análise de tendências em entrevista para a revista Veja (10/07/2019).
Para reforçar, os consumidores da geração de Millenials e geração Z não compram sem critério, buscam uma compra com propósito. Além do fato de que estas gerações dão muito valor ao estilo pessoal e único. Sendo um prato feito para a moda vintage por sua exclusividade e principalmente para o modelo compartilhado dos alugueis & assinaturas. Primeiro por sua possibilidade de atender o frequente desejo de mudança no guarda-roupas sem grandes impactos negativos. E segundo que o que é dividido, não se precisa de muito, reduzindo a produção de peças. O que é excelente, dado que os números de produção da moda chegaram a níveis estratosféricos: de acordo com o instituto Boston Consulting Group, 100 bilhões de peças produzidas por ano no mundo!
POSSIBILIDADES MAIS CRIATIVAS
Em uma indústria que polui mais do que a indústria de navios e aviões e que tem previsão de comercialização de quase 7 bilhões de peças de vestuário este ano, apenas no Brasil, consumir menos é urgente, mas não necessariamente é preciso abrir mão da variedade e o sistema de acesso (aluguel/compartilhamento) veio aqui para isso!
O momento é de transformação positiva, que pressiona de um jeito diferente toda a cadeia global da indústria da moda. Estou curiosa pra ver quem serão o Uber e o Spotify do mundo da moda, dando acesso a um jeito mais inteligente e sustentável de criar novos looks, atendendo a uma demanda reprimida e que abrirá um novo capítulo na indústria da moda.
Tay Borges, Consultora de Estilo e Fashion Stylist